domingo, 3 de outubro de 2010

Uns canecos e umas cervejas, enquanto se vai sendo livre...

O Presidente da República Costa Gomes a discursar a posse do 1º. Ministro 
Vasco Gonçalves (à sua direita), a 30 de Setembro de 1974

A 3 de Outubro de 1974, de Luanda para o Quitexe, escrevia-me o Alberto Ferreira - que pela Base Aérea 9 fazia a sua comissão militar, na Esquadrilha de Abastecimento. Dava-me conta de, no terminal de embarque, ter encontrado o Carlos Sucena, que estava em trânsito de Lisboa para Nambuangongo.
«Perguntou por ti e pelo Neto e disse-lhe o que sabia das vossas aventuras no Quitexe...», escreveu o Alberto - que nós, na escola de Águeda, chamávamos de Pimpão, por ser de Fermentelos, a vila da pateira, em cuja Estalagem os Cavaleiros já se encontraram por três vezes.
Preocupado estava ele, e muito!..., com o governo de Lisboa: «Novo governo. Que me dizes a tudo isto? Agora é que estou convencido que vamos ter um regime comunista, oxalá me engane. Mas por outro lado, parece-me que vai dar bastante barulho na metrópole. Cheira-me a guerra civil, dentro de poucos tempos! O que te parece?», escrevia o Alberto, que se informara junto do Sucena da realidade do Portugal Europeu.
O que me parecia??! A mim não parecia nada. O Governo Provisório era já o terceiro e chefiado por Vasco Gonçalves - que já liderara o segundo, entre 18 de Julho e 30 de Setembro de 1974. Retomou posse neste 30 de Setembro e terminou esta governação a 26 de Março de 1975. E, e não se sabia então, nem se adivinhava..., ainda viria a chefiar o quarto e o quinto governos, fechando a sua liderança revolucionária a 19 de Setembro de 1975.
O que eu sabia de Lisboa era muito pouco, principalmente lido no Expresso que me chegava todas as semanas e no qual não confiava muito (ver AQUI). As edições de fim de semana do Jornal de Notícias também lá chegavam mas aquela mistura de notícias, golpes e contra-golpes, se nos metiam aflição (talvez, alguma!..), verdade seja dita que acabavam por não nos preocupar nada. O melhor era não ligar. E era isso que a generalidade da guarnição fazia.
O Machado, sempre mais esclarecido que nós, lá mandava os seus bitaites sobre a revolução, o socialismo e essas coisas, mas a nossa preocupação maior era salvar a pele, lá pelo distante Uíge - que era o chão da nossa jornada angolana.
«Olha, estou em dizer que nem vale a pena pensar no caso. Bebem-se ums canecos e umas cervejas, enquanto se vai sendo livre...», rematou o Alberto Ferreira - que era, por Luanda, um dos meus companheiros de «vadiagem».
E assim fizemos nós por lá, pelo Quitexe. Comemos e bebemos e não pensámos nada, ou muito pouco, no que governava (ou não governava) o «companheiro» Vasco Gonçalves. 
- CARLOS SUCENA. Carlos José Sucena Miranda, natural da Borralha (Águeda) e companheiro e amigo da antiga Escola Industrial e Comercial de Águeda. Prestou serviço militar, como 1º. cabo escriturário, em Nambuangongo e Luanda.
- ALBERTO FERREIRA. Alberto Fernando Dias Ferreira, que foi de Fermentelos, já falecido. Foi cabo especialista da Força Aérea, em Luanda. Depois, licenciou-se em Economia, foi quadro superior da Direcção de Finanças e candidato a presidente da Câmara Municipal de Águeda, de que foi vereador por duas vezes.
- EXPRESSO. A minha leitura do jornal, no varandim da casa dos furriéis, no Quitexe (foto, acima).

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