Entrada do Quitexe, via Aldeia Viçosa - de quem vai de Luanda para Carmona (Uíge). A nossa primeira visão sobre a vila, quando lá chegámos, a 6 de Junho de 1974, terá sido muito parecida com esta. Foi um consolo: as imagens que nos falavam, sobre os sítios de guerra para onde iríamos, eram as de «buracos» irrespiráveis, onde os cheiros eram de sangue e pólvora e o dia-a-dia de dramas e medos de explosões e ataques.
Tínhamos já passado por Vista Alegre e Aldeia Viçosa e folgáramos a ansiedade: afinal, não eram «buracos» nenhuns! O Quitexe até nos parecia bem melhor.
Dois dias, ou três?, soube de uma «rifa» que me calhara: a coordenação de dois Grupos Especiais - os GE! «Aviso-te de uma coisa: quando não entenderes a linguagem deles, age...», disse-me o Casares, furriel de Chaves que eu ia substituir.
Agir como? Ele explicou-me: «Podem estar a tramar alguma coisa contra ti. Amanhã vou mostrar-te uma coisa...». Não foi ao outro dia, mas dois depois. E «mostrou», num bar ali à direita desta entrada da vila. Era João, João Quatorze, um negro enorme, pai de uma dúzia de filhos, homem de três ou quatro mulheres, chefe de um dos dois grupos de GE adidos à CCS do Batalhão de Cavalaria 8423.
«Tenho mai´esdinheiro nos puto que tu!!!», informou-me ele, no seu sotaque e em tom de quem me queria atemorizar. E atemorizou. Olheio-o e ouvi-o com muita desconfiança. A minha noite do Quitexe que se seguiu a este momento foi passada em largos pensamentos e interrogações, até aí por volta das duas da amanhã. Depois, lá adormeci.
João Quatorze viria a revelar-se um excelente colaborador, ora no comando do «seu» GE, ora, e principalmente, na delicada fase do desarmamento e desmobilização dos grupos. Sempre foi leal!
Encontrei-o em Luanda, por volta de 15 de Agosto de 1975, na avenida D. João II - era ele comandante de um pelotão militar, creio que com a patente de capitão. Tinha aderido ao MPLA. «Subi nos vida, esfurrié...», disse-me ele, com os olhos a rir de gosto e a apontar-me os galões. Fomos beber cerveja Nocal, à messe de sargentos que era ali mesmo ao lado, na avenida dos Combatentes. E nunca mais o vi!
- Puto: Designação que, em Angola, era vulgarmente dada a Portugal metropolitano.
- FOTO: É de Jorge Cruz. Clique nela, para a ampliar.
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