sábado, 25 de abril de 2009

A aguardente de cana do Pires do Montijo...


Os furriéis Abrantes (de Castelo Branco), Pires (do Montijo) e Viegas,
numa sanzala dos arredores do Quitexe

Sempre me interessei pela etnografia e culturas populares. E pouco percebendo disso (ainda hoje!...), não me dispensei de, em Angola, aproveitar tempos «mortos» do nosso dia-a-dia para conhecer alguns hábitos e tradições locais - as mais tribais que pudesse.
A foto onde apareço com o Abrantes (furriel de Castelo Branco, na altura acidentalmente colocado no Quitexe) e o Pires do Montijo foi tirada numa sanzala dos arredores da vila, num qualquer dia de Setembro de 1974, quando fomos querer saber porque é que os familiares de um morto faziam festa, com danças, músicas e cantares, em vez de luto. O luto que nós conhecemos por cá!
Poupando palavras, que aqui até viriam a despropósito, era esse o ritual da tribo - e devo confessar que todos ficámos algo chocados com tal tradição. E intrigados!
O Pires, que era bonacheirão e generosamente bem vivido lá pelos lados do Montijo e Lisboa, provou nesse dia uma aguardente de palma (ou era de cana?), fortíssima, da que se bebia a rodos na festa do luto. E de tal modo bebeu que veio a cambalear para o quartel e teve de levar soro na enfermaria. Dormiu essa noite para aí umas 16/17 horas seguidas.
- «Ó Viegas... - perguntou-me ele, batendo-me à porta do quarto, já depois do jantar do outro dia. «O que é que me aconteceu, pá?!...».
Não se lembrava de nada, nem do piscar de olhos que na véspera repetidamente fizera a uma cabo-verdeana de encher a alma e o desejo, por quem se andava a deixar pingar de amores.
O miúdo com o pneu era o Agostinho, Agostinho Papélino... Com uma mangueira de jardim tocava o hino nacional, todos os toques da tropa e o raspa. Uma maravilha!!! Fazia de engraxador para ganhar a vida, mas não engraxava coisa nenhuma... Órfão, comia todos os dias no quartel e era um espécie de mascote dos «bravos Cavaleiros do Quitexe»!!! Quis vir comigo para Portugal.
- PIRES: Cândido Eduardo Lopes Pires, natural do Montijo, furriel sapador. Actualmente, mora em Niza.
- ABRANTES. Joaquim Abrantes, furriel miliciano ao tempo colocado na CCS do BCAV. 8423. É da zona de Castelo Branco.
- CASAS: Repare-se no tipo de construção das casas das sanzalas, típicas de África (a da direita), já em tijolo a que, à esquerda, se vê parcialmente.
- BIGODES: Note-se que os três furriéis usavam bigode. Até eu!! Modas do tempo! E eu de óculos, o que não era de todo normal!

2 comentários:

Anónimo disse...

Muita coisa haveria para contar sobre o Agostinho!Sempre que falo de África menciono o seu nome.Viveu tempos muito dramáticos.Conheci-o quando o livrei duma quase bárbara agressão,após ter conseguido comida no quartel.Levava-o comigo ao Topete e aida vejo os seus olhos mirar o "prego".A carne era maior que o pão e não sabia bem por onde comaçar!O dono da casa ousou um dia fazer reticências e foi aí que estalou o verniz!Tudo se esclareceu e até ficámos amigos...ou quase!No dia seguinte era chamado ao Capitão, mercê da pressão exercida pelo então meu amigo Ex-Alferes Serpa.Foi o Comandante, que ao ouvir a conversa não lhe atribuíu qualquer valor e acabou com o assunto ali mesmo.O mais importante é que o "enguia" continuava a ir ao Topete deliciar-se com a comida acompanhada por uma "mission" de maçã.
Durante um ano e quase todos os Domingos me engraxava um par de sapatos que eu nunca calcei, mas que ele afirmava peremptoriamente estarem necessitados de cuidados.Eu nunca lhe disse nada, mas num dos seus raros momentos de distração constatei que usava pomada duma caixa...vazia!Dei-lhe uma caixa nova mas duvido que a tenha usado em meu proveito. Talvez tenha servido para cativar clientes na Companhia que me foi render.
Durante um ano o "enguia" esteve protegido mas o dia 26 de Abril de 1973 tinha chegado.Ás seis da manhã lá estava ele á minha espera para se despedir.Olhos no chão e um nó na garganta, igual ao que ainda hoje sinto quando falo dele.
Oxalá seja hoje hoje um adulto realizado.

Casal

ARCOR d´OIS disse...

Meu caro Casal:
Peço qe me dê nota dos seus contactos. Poderá fazê-lo, se entender, para o endereço c.viegas@mail.telepac.pt.
Pode mandar-me fotos do Quitexe?
Abraçoss!
CV