Aquartelamento do Quitexe, na zona assinalada a roxo.
A castanho, o espaço das casernas, em 1974/75. A verde, a capela
A castanho, o espaço das casernas, em 1974/75. A verde, a capela
ANTÓNIO C. FONSECA
Texto
Volto à revista às tropas, para dar conta do incidente com o amigo Zé. Nascido e criado em Murça, era talvez o militar mais discreto da CCS. Discreto até demais, mas com muito pouco, ou mesmo nenhum, sentido de humor! Teve sempre muita dificuldade em relacionar-se com pessoal de outras especialidades, não tendo conseguido mais de dois ou três amigos - os colegas de quarto! Era preciso estudar o homem, antes de se lhe dirigir a palavra, porque nunca se sabia o que dali sairia! Ora sorria de orelha a orelha, ora despejava um chorrilho de palavrões, assim…do nada!
No dia da revista às tropas, entendeu o capitão passar o Zé, em revista minuciosa e prolongada! Talvez pretendendo fazer dele o “bobo da corte”, exagerou nas considerações demasiado inconvenientes e piadas de mau gosto, a que ele apenas “respondeu” com um rubor das faces! Melhor, das faces, do pescoço e se calhar até do couro cabeludo, se tal fosse possível! Mas manteve-se imóvel, aguentando tudo, sabia-se lá como! Até que, depois de despejada a gaveta dos seus objectos pessoais para cima da cama, vê o capitão usar a «varinha» para atirar para o chão as fotos da família! Delas, em tamanho grande, fazia parte uma dos pais, tirada em estúdio, como em tempos se usava. Talvez ainda use!
«Não meu capitão…, isso não!...», disse-lhe o Zé, energicamente e ao mesmo tempo que segurava a varinha do capitão com mão de aço! Tinha deixado de estar em sentido e virara-se para o capitão, o que nos deixou perplexos e aflitos! Rangeu os dentes e sem pestanejar avisou (sem aspas) o capitão: «Os meus pais não!!!...».
Não lhe deu resposta o capitão, olhou-o de alto a baixo e em silêncio deu meia volta, acompanhado da “comitiva”, guiado, pareceu, por sussurros do alferes!
Claro que ficámos em pânico, preocupados com o que iria acontecer ao Zé!
Estranhamente, ou nem tanto, o incidente não constou de qualquer relatório! Talvez não tenha sido fruto de um apelo à consciência, mas de conversa ao ouvido por parte de alguém mais ponderado! E que era, sem dúvida alguma, o Sargento-Ajudante, por quem toda a Companhia nutria uma grande admiração. Ali houve puxão de orelhas, isso houve!
Poderá pensar-se que se safara o Zé duma grande embrulhada, mas quem o conheceu bem tem a noção de que se safaram os dois! Assim dito, poderá parecer um pouco estranho, mas não o é! Nada mesmo! “Cuidado porque na tropa há filhos de muitas mães”, era das frases mais ouvidas, quando se assentava praça, e que serviu que nem uma luva no caso em questão! Não no sentido pejorativo, mas no desconhecimento da sua personalidade.
Sei que o assunto morreu ali, e nem o próprio Zé alguma vez dele voltou a falar! Meia hora depois do incidente, parecia-nos que nada se tinha passado com ele, não indiciando nervosismo! À parte, perguntámos ao Pinto, ainda de camisa ensopada do nervoso miudinho, como estava o seu colega de quarto, mas a resposta foi apenas: «O Zé?!, o Zé ia-me matando do coração e está ali como se nada fosse e a falar de outras coisas! Vê-se que não o conheces, “aquilo” é bem de Murça, parece um penedo!!!».
Sem comentários:
Enviar um comentário