«Meu filho,
desejo que ao receberes estas minhas linhas te encontres bem, nós por cá vamos na forma do costume e com as dores que não me deixam, mas será como Deus quiser. O que eu queria mais era ver-te por cá, embora me digas que tudo corre bem e que estás bem, o meu coração de mãe atravessa-se de um negrume muito triste e diz-me que as coisas por aí não devem ser bem assim como dizes.
Chegou cá a mulher do José Bernardino, com uma encomenda tua, que arrumei ali na sala, à tua espera.
(...)".
A 19 de Novembro de 1974, uma quarta-feira, recebi correio de minha mãe, antecipando os meus 22 anos (que seriam a 21) - dia de sexta-feira que ela iria passar na solidão da sua viuvez recente, com problemas de saúde e com o filho mais novo na guerra. E guerra, por muito que eu lhe dissesse que era assim ou assado, nada do que por cá se pintava, guerra era... guerra, coisa de muito sofrimento, de sangue e de mortes. ~
O pai dela, meu avô, fora combatente da 1ª. grande guerra e faleceu (como civil) quando ela tinha 8 anos, filha mais velha de quatro irmãos, dele lhe ouvira, em criança, narrativas de muitas tragédias.
Agora, em 1974, era o filho dela mesma quem, servindo Portugal, galgara milhares de quilómetros, abandonara o seu ninho de mãe e, como muitos milhares de outros jovens, participava na guerra que iria emancipar Angola.
Hoje, ali desfrutando o calor da lareira, fui ler-lhe o aerograma.
«Hei, mãe... quem diria que hoje lhe iria ler o que escreveu há 37 anos», brincalhei eu, com ela.
«Escrevi-a a um domingo para a receberes antes do dia 21», respondeu-me, a puxar o xaile para os ombros e com as costas da mão virada para mim- como quem me dar com ela na cara. E sorriu-se, a gozar o momento e não sem uma alfinetada de humor: «Nesse tempo, tinhas muito mais cabelo e menos barriga que agora!».
- FOTO. Casal Fátima e José Bernardino Resende (com
a filha Alexandra à frente), Albano Resende e sobrinha, Viegas (à civil) e
capitão Domingues (primo de Fátima),
em Luanda. Dias antes dos seus 22 anos de Viegas. Há 37!
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