Posto de vigilância na estrada para Aldeia Viçosa
(foto By Bende, Julho de 2010)
ANTÓNIO CASAL FONSECA
Texto
Hoje dei comigo a pensar no Gonçalves! Melhor, nas travessuras e actos indisciplinados que o acompanharam ao longo de toda a comissão. Foi, seguramente, o militar mais incorrecto da CCS. Mas, a par disso, foi também o que mais sofreu no corpo a justiça militar, aplicada por oficiais e sargentos. Era um “Cristo”, mas nem isso o impedia de transgredir quase diariamente, tanto na recusa de cumprir as escalas de serviço como, até, no desrespeito pelos seus superiores!
Foi dos que esteve quase com um pé em Zalala e também com uma guia de marcha para uma Companhia algures no Leste. Só não foi porque, dizem, o Sargento-Ajudante quase implorou o seu perdão ao Comandante do Batalhão! Este era austero e duro, sim senhor, mas a verdade é que o Sargento em questão era o militar do Batalhão com quem tinha mais intimidade e também o único que entrava no gabinete sem bater! A sua avançada idade e o seu fino trato eram bem compatíveis com a personalidade e educação do Comandante. A amizade já vinha de trás, de uma outra comissão de serviço.
Certo é que o Gonçalves lá se viu livre de alguma zona de fim de mundo, prometendo e jurando a todos os santos que mudaria o seu comportamento! Mas não mudou nada! Dois dias depois já estava de castigo no posto de vigia à saída para Aldeia Viçosa, posto a que já estava habituado! E não queria outro, já quase o considerava seu, de tantos castigos ali ter cumprido!
O posto até não era mau, segundo dizia, porque dali se avistava tudo! Quem saía e quem entrava na casa de quem, o que lhe permitia devassar um pouco a vida de quem à noite se movimentava em pés de lã! Isto dizia ele, cujas conversas teriam de ser bem filtradas para que uma palavra ficasse no filtro! Nesta matéria foi sempre compulsivo, valha a verdade!
A última noite que aqui esteve de castigo, levou consigo uma garrafa de Sbell, e encharcou-se! Misturado com cerveja, não deu bom resultado e parece que começou a “ver coisas”! Ou melhor, passou-se e começou aos tiros em tudo o que mexia!
Ora, apenas se mexia o Alferes Ruivo, que se dirigia para o quarto alugado ali para aqueles lados! Vinha, tranquilamente, de uma “confraternização” com o então tenente Marques Júnior, que viria a ser Capitão de Abril. Valeu ao alferes a tremideira do Gonçalves, já que nenhuma das três balas foi certeira!
Acordou a vila de arma em punho, a confusão instalou-se e foi o colega do Gonçalves que desceu para acalmar os ânimos e esclarecer o que se tinha passado no posto! Lá em cima, chorava convulsivamente o atirador que “vira movimentações estranhas”. “Movimentações” que manteve nos interrogatórios e que, mesmo sabendo-se serem falsas, o livraram novamente de mudar de ares! Creio, até, que nunca o transfeririam! Não seria a solução para ninguém e muito menos para ele!
ACF
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