segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O fazendeiro que negou água aos soldados do PELREC

Mapa da região de Quitexe, desenhado por João Nogueira
Garcia. Clicar na imagem, para a ampliar e ver melhor



Nomes de localidades e fazendas há que, sendo embora da área militar do Quitexe, já nos passaram da memória. Ora porque já lá vão 34 anos, o que é tempo de muito desgaste, ora porque outros nos marcaram mais fortemente.
João Garcia, que tem berças do Quitexe - onde nasceu em 1957, filho de família de fazendeiros e comerciantes e baptismo de padres italianos, e por lá viveu até ao 15 de Março de 1961 - teve a gentileza de me oferecer um livro do pai: "Angola 61 - Quitexe, uma tragédia anunciada». E nele, ao lê-lo, recordo viagens e patrulhas, pontos de partida e chegada de operações. E lá está o Dambi Angola, sanzala que a nossa memória pessoal de alguma maneira mitifica, como se de lenda se tratasse, pelas razões que já aqui foram relatadas (VER AQUI).
Uma fazenda que me passava de memória (e não a cito, por eventual lesão de interesses...) tem a ver com uma inóspita e desajustada recepção do proprietário - que recusou água aos soldados e ofereceu wisky a furriéis. O que ele fez!!! Recusámos nós a oferenda escocesa, em tom que não lhe deve ter deixado dúvidas e cara de poucos amigos, e fechámos os olhos aos patos e um porco que os «pelrec´s» fizeram «voar» para a caixa da berliet. O homem teria as razões dele, não sei quais..., mas recusar água aos soldados isso é que não! Soldados, aliás, que nesse e outros dias, para o proteger e ir fazer vendas e compras a Carmona, faziam mais de 300 quilómetros pelas picadas onde comiam o pó vermelho e afugentavam medos dos perigos que os (nos) espreitavam.
O Neto «perdeu-se» da cabeça, alterou-se, vociferou e, por vontade dele, esganava-se o homem ali mesmo; e valha a verdade que ele não merecia outra coisa! A mim, revoltado, apetecia-me enfiar-lhe a G3 por um certo sítio acima. Mas, sem violências físicas, por essa vez... não o dispensámos, mesmo assim, de um bom vernáculo português, a tratar a mãe e a mulher (se a tinha...) como nos apeteceu, amolecendo a nossa ira.
O caso chegou ao comando, com queixa do fazendeiro sobre nós, mas foi severo e rigoroso o tenente-coronel Almeida e Brito, informado do quadro da situação. Não o insultou, não o ameaçou, mas falou-lhe alto e bom som, lendo-se-lhe nos olhos a vontade de o maltratar ou espatifar a cara, quando, em vez disso, o convidou a sair do gabinete.
Negar água aos soldados, essa é que não! Filho da mãe!
- GARCIA. João Luís Matos Garcia, nascido no Quitexe e filho de João Nogueira Garcia, autor do livro «Angola 61 / Quitexe, uma tragédia anunciada - O Velho Cazenza e Outras Histórias», edição do autor, 2001. O mapa (manual) foi de lá retirado.

4 comentários:

Anónimo disse...

Há cenas que teimam em repeti-se e penso que estamos a falar da mesma fazenda! Em 1969, por força das circunstãncias, o grupo que o meu irmão integrava viu-se obrigado a passar a noite nessa fazenda. Se bem me recordo mas não podendo precisar, penso que estava previsto irem dormir ao Quitexe! O fazendeiro, questionado sobre o local onde os homens iriam permanecer, apontou para o relento, apesar de existirem zonas telhadas disponíveis! E fez questão de convidar o Furriel e o Alferes para jantar com a familia! Indignados com o tratamento tão desigual, acabaram por dormir todos debaixo das estrelas, não revelando nada aos soldados mas narrando o acontecido ao Comando no Quitexe!
Nada daí transpirou e tudo acabou em águas de bacalhau!
Agora voltamos à fazenda de que não recordo o nome, mas que na conversa mantida com o meu irmão, jà lá vão cerca de trinta anos, foi identificada como sendo a mesma.
Saimos às duas da madrugada com previsão de chegada por volta das dezasseis. No percurso deparámos com civis negros feridos, vitimas de um ataque, obrigando-nos a alterar o plano traçado! Tudo isto e principalmente os feridos, um dos quais com gravidade, nos obrigou a parar na tal fazenda, já de noite e com muita fome, diga-se!
Munidos ainda da ração de combate que não tinhamos tido oportunidade de comer, abancámos finalmente! Tudo correu bem até ao momento em que um soldado sentiu os olhos cairem para os abacaxis. Pediu apenas um e a resposta veio azeda! "...e que nem pensar, estarem ali a comer já era muito...e por aí além...!" Pois é, mas os ânimos azedaram-se mesmo e nem o Alferes conseguiu dominar os ímpetos do soldado! Por momentos pensámos que o ia matar e gritámos-lhe quase em uníssuno um NÃO desesperado! Mas não era essa a sua intenção e disparou de rajada para os abacaxis! Recordo os seus olhos vermelhos de raiva e o rosto cheio de pó amarelo! No seu quase 1,90 e uma respiraçaõ ofegante, todos tememos o pior!
O fazendeiro apresentou queixa no Comando e quem descalçou a bota foi o Alferes que já tinha alertado o Comandante.
No centro Cripto ouviam-se frases duras dirigidas ao fazendeiro, vindas da sala ao lado! Era o Comandante que não entendia tal atitude!
Soube-se mais tarde que o assunto só não seguiu para a Administração para salvar a pele do soldado incorformado! A pide, através do seu informador local, ainda lá andou a farejar mas o assunto morreu ali mesmo!
Estávamos em 1972 e as cenas repetiam-se mesmo!
Casal

RIBEIRINHA disse...

Estive a olhar para os nomes do mapa e realmente até me emocionei, são sítios por onde passamos alguns tempos da nossa juventude... agora esse filho da mãe desse fazendeiro merecia era levar umas lambadas...

Anónimo disse...

Verdadeiramente, quem é A. Casal, é algum heterónimo de C. Viegas? Cá para mim...

OLIVEIRA disse...

Boa ideia a do mapa para a gente lembrar por onde andou a pssar o nosso tempo de jovens militares do império, mas algus dos nomes eu nao conheço, terão mudado se calhar.