domingo, 18 de outubro de 2009

Um homem tem de ir à luta... até no refeitório!

Aldeia de Talambanza, à saída do Quitexe, para Carmona. Foto de João Cláudio

A. CASAL
Texto
Na passada semana, recebi o contacto de mais um companheiro do Quitexe. Movido pelas crónicas e fotos, diz não se cansar de “ blogar” e deste modo recordar a sua passagem pela Vila.
Figura muito conhecida na Companhia, protagonizou muitas cenas ao longo da comissão mas sem nunca se exceder, conquistando o respeito e admiração de todos. Excelente operacional e com grande visão no terreno, a ele recorriam muitas vezes (discretamente) os comandantes de grupo. Mas isso são outras histórias e a que me trás aqui é a outra face, a que o tornou popular com raízes no Grafanil.
Estou a falar do soldado Canidelo e da sua fama de grande garfo! Sempre, e ainda bem, associada ao seu proveito! Conhecido pelo seu apetite voraz, não deixava os seus créditos por boca alheia!
Não tendo serviço escalado que o impedisse, fazia questão de ser o primeiro a chegar ao refeitório, mostrando-se incomodado quando não o conseguia! O Capitão, conhecedor da sua obcessão gastronómica, por vezes barrava-o junto à secretaria para o chatear ou, quem sabe, para lhe arrefecer um pouco o apetite. Recordo o dia em que estávamos prontos para sair para uma escolta, em frente ao Comando. No momento em que o alferes deu ordem de partida, o Canidelo saltou do unimog e gritou para que esperasse um pouco e correu na direcção do refeitório! Olhámos uns para os outros, a pensar no que raio se estava a passar! Passados pouco mais de 30segundos estava de volta e, perante o olhar incrédulo do Comandante que assistia à nossa partida, empurrava um pão para o bolso das calças do camuflado! O alferes, um pouco (diria muito…) atrapalhado, de imediato mandou arrancar, cortando assim qualquer hipótese de represália por parte do comandante!
Já era do conhecimento geral que ao almoço e jantar punha em acção os seus dotes de estratega. Colocava-se de “plantão” à entrada do refeitório e seleccionava meticulosamente os homens para a sua mesa. Tinha cuidados especiais com os bons garfos, mas imperativo era mesmo correr com os etiquetados de “lateiros”! Esses sim, dizia representarem uma ameaça! Ele sabia bem os gostos de cada um - estudava-os e crivava-os!!! Os chamados “piscos” eram, com um sorriso, convidados para a sua mesa!
Com o estômago “colado” às costas, intrigava-nos onde albergava tanta comida! Encostado ao pilar do refeitório, o sargento de dia pasmava a olhar para ele e encolhia os ombros! Depois, em alta voz exclamava dirigindo-se ao Cabo cozinheiro: «F…, se toda a Companhia comesse assim, nem o orçamento do Batalhão aguentava!!!...».
Mas estes comentários não o demoviam e a prova disso é que, impávido e sereno, continuava a dar ao dente! Aliás, eu não sabia se eram dentes ou se estava munido de alguma trituradora oral! «Um homem tem que ir à luta…até no refeitório!», dizia, com as bochechas dilatadas de comida!
Um dia (mal sabia ele…) teve um espectador muito especial! À distância e discretamente, o Comandante do Batalhão fez questão de assistir ao almoço do homem! De tanto ouvir falar em tamanhos apetites ficou curioso, saiu dos seus cuidados e decidiu ver para crer! Segundo o Alferes que o acompanhou na “missão”, este terá ficado bastante impressionado, para não dizer incomodado, sugerindo que talvez não fosse má ideia aconselharem-no a ir ao médico!
Sobrando sempre tanta comida, intrigava-nos a sua preocupação com a mesma! Ainda hoje estou em crer que fazia este jogo, principalmente porque lhe dava um certo gozo!
Ficou alcunhado de “terror das terrinas”, sem qualquer mau estar e sempre feliz da vida!
Hoje concluo que, ao contrário do que se dizia na altura, aqueles apetites nada tinham a ver com a idade! É que passados 35 anos, o homem continua exactamente com o mesmo espírito devorador e também com o estômago colado às costas! Grande Canidelo!

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