Margarida Sousa Cruz, finalista de medicina a dar aulas no Quitexe (1974). Atrás, reconhecem-se o capitão Oliveira (verde) e o alferes Ribeiro (branco)
As vésperas de Natal de 1974 foram vividas, pelos lados quitexanos, com as emoções e nostalgia de quem, pela primeira vez, se sentia fora de casa e longe, em terras de farto e incómodo calor, terras que não cheiravam a consoada, nem puxavam ao lume das lareiras, para comer rabanadas e filhós, ou bilharacos, ou umas malgas de papas de abóbora ou o prato mais trabalhado de bacalhau do alto, ou de lombo fresco do porco morto, mais um tracanaz de pão fresco, cozido do dia, e sobremesa de pão de ló.
Não é que por minha casa d´aldeia se farturassem mesas de iguarias muito especiais. Nunca lhe faltou pão, é verdade, mas eram modestas. Era isso que eu lembrava - e os cozinhados da noite de natal na minha casa (onde ficara viúva minha mãe) -, à janela da casa dos furriéis e a espreitar o tempo de um destes dias de Dezembro de 1974, quando alguém me chamou, e a outros, para irmos à sanzala Aldeia, no caminho que ia para Camabatela, a segunda povoação depois do Quitexe, passado o Cazenza, e onde ia haver festa de Natal, na escola.
Por lá professoravam a Irmã Augusta, que era irmã de sangue do padre Albino Capela, e uma jovem finalista de medicina, de sorriso juvenil e trato fácil e próximo - arrastada para o Quitexe pelas graças de um seu amor já celebrado no altar. A dra. Margarida Sousa Cruz.
Margarida era jovem e já mãe, mulher d´amor a um jovem alferes miliciano que jornadeava pelo Quitexe e terras uíjanas, alferes e engenheiro por quem interrompeu o curso e com paixão talmente vivida que já dera fruto - o bebé Ricardo.
Por lá professorou ela, também, e combinaram fazer Natal na sanzala. E fomos ver, com autoridades locais, civis e militares, que a festa não foi coisa pouca. E foi muito partilhada.
À distância de 37 anos, ainda me sabe a estranho aquele Natal angolano, vivido entre gente de muitas cores e sentires, que se deram de mãos e festejaram. Mas guardo, especialmente (vá lá saber-se porquê!!!), o rosto feliz, de olhos grandes e a cobiçarem o mundo, de umas jovens negras, não sei se alunas da escola da dra. Margarida e da Irmã Augusta, que por ali se bombaleavam, fazendo do corpo uma harmonia de curvas que se lhe rebentavam nos seios, e sobre eles se pendurando missangas vermelhas caídas do pescoço, pelo vestido abaixo, enfeitando o pano garrido que lhe tapava os corpos negros de ébano.
A festa atraiu o povo da sanzala, para ver as suas crianças e pré-adolescentes, os alunos de Augusta e Margarida a encenarem e viverem o seu natal - que foi, para muitos de nós, uma coisa surpreendente e emotiva. De puxar a lágrima ao olho! Foi um dia muito especial!
- MARGARIDA. Margarida Queirós Mota de Sousa Cruz, então finalista de medicina, esposa do alferes miliciano António Albano Araújo de Sousa Cruz. Médica de ginecologia e obstetrícia, residente em Santo Tirso. Ver AQUI
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